Vista de una isla sobre el río Pastaza desde la comunidad de Sharamentsa, en la Amazonía ecuatoriana.

Francesc Badia.
Ecuador

Paradoxo verde: febre eólica e desmatamento na Amazônia

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Mar 20, 2022 Compartir

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A transição energética do Norte Global deixa um rastro de destruição no Equador, afetando comunidades indígenas e ecossistemas.

O que a destruição de pau-de-balsa na floresta amazônica equatoriana tem a ver com a indústria eólica na Europa?

Como o compromisso internacional com as energias renováveis ​​cresceu nos últimos anos, o aumento dos parques eólicos desencadeou a demanda por madeira do pau-de-balsa, deixando um rastro de desmatamento pelo caminho.

O pau-de-balsa é amplamente utilizado na China e na Europa na construção de pás de turbinas eólicas. Atualmente, os maiores aerogeradores construídos, com pás que chegam a media 80 m, cobrem uma área de aproximadamente 21 mil m2, o equivalente a quase três campos de futebol.

Os projetos mais recentes de turbinas eólicas offshore incorporam pás de até 100 m, que consomem cerca de 150 metros cúbicos de pau-de-balsa cada, o que equivale a várias toneladas, segundo cálculos atribuídos ao Laboratório Nacional de Energias Renováveis dos Estados Unidos.

Em 2018, a demanda internacional por pau-de-balsa aumentou consideravelmente. Esta madeira tropical é ao mesmo tempo flexível e dura, assim como leve e resistente. O Equador, principal exportador de pau-de-balsa com cerca de 75% do mercado mundial, tem vários grandes exportadores, como a Plantabal S.A., em Guayaquil, que dedica até 10 mil hectares ao cultivo de madeira para exportação.

Febre da balsa

O aumento da demanda levou ao desmatamento dessa árvore na bacia amazônica, no que ficou conhecido como “febre da balsa”. Os chamados "balseiros" começaram a desmatar ilegalmente pau-de-balsa virgem das ilhas e margens dos rios amazônicos em uma tentativa de contornar a escassez de madeira cultivada. O impacto sobre os povos indígenas da Amazônia equatoriana tem sido tão agressivo quanto o causado pela mineração e extração de petróleo, nas últimas décadas, ou pelo ciclo da borracha, no início do século 20.

Em 2019, a expansão de uma estrada na província de Pastaza, na fronteira com o Peru, que atravessou o território indígena Shuar e Achuar para ligar a comunidade de Copataza à cidade ocidental de Puyo, gerou divisão entre o povo Achuar.

Alguns moradores que percebem a estrada, que foi construída sem consenso total indígena, como uma ameaça de extrativismo e desmatamento, e não como contribuição para o possível desenvolvimento de sua comunidade, tentaram lutar contra sua abertura. Mas como uma serpente rastejando pela selva, a estrada chegou a seu destino em novembro daquele ano.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentava o ambicioso Acordo Verde Europeu em Bruxelas. O acordo, entre outras coisas, visa reverter as mudanças climáticas, promovendo a substituição progressiva dos combustíveis fósseis, que contribuem para o aquecimento global por meio da produção de gases de efeito estufa, por fontes de energia mais limpas.

Como resultado do acordo de 2019, as perspectivas financeiras para as energias renováveis impulsionaram o número de projetos de construção de parques eólicos na Europa, que se contagiou pela febre eólica da China. Em dezembro de 2020, o presidente Xi Jinping declarou que a China aumentaria sua capacidade de energia eólica e solar para mais de 1,2 mil gigawatts (GW) até 2030, cinco vezes mais que os atuais 243 GW.

A febre da balsa teve consequências devastadoras para as comunidades indígenas amazônicas do Equador. A história logo passou da mídia local para a imprensa internacional. Em janeiro deste ano, a revista britânica The Economist publicou um artigo apontando os problemas que a extração ilegal de pau-de-balsa para pás de turbinas eólicas havia causado no Equador, destacando o impacto negativo sobre os indígenas Waorani, assentados no Parque Nacional Yasuní.

Em setembro, quando o democraciaAbierta/openDemocracy visitou o território indígena Achuar ao longo do rio Pastaza, uma das áreas mais afetadas pela febre da balsa, vimos a devastação quase total de pau-de-balsa do território, o que levou os balseiros a se deslocarem à Amazônia peruana.

O aumento dos preços que se seguiu à escassez de oferta criou um poderoso incentivo para acelerar a busca por materiais alternativos

As consequências dessa febre foram especialmente destrutivas para as comunidades locais. Em junho, as lideranças indígenas da Nação Achuar do Equador (NAE) reagiram declarando que não permitiriam o desmatamento de pau-de-balsa em seu território. “Não faça nenhum investimento, mesmo se cortar o pau-de-balsa, não vai conseguir extrair sua madeira, ela não vai ser vendida”, postaram no Facebook.

Mas foi uma declaração inútil e veio tarde demais.

Na comunidade de Sharamentsa, que abraçou a inovação energética lançando um projeto de canoa movida a energia solar e resistiu ativamente a abrir suas ilhas para madeireiros, um de seus líderes finalmente cedeu à pressão, aceitando a venda de pau-de-balsa da comunidade. A decisão tem causado dor, rejeição e divisão entre as famílias, além de ter consequências para o ecossistema das ilhas e para o próprio rio.

Os balseiros trazem álcool, drogas e prostituição, e contaminam os locais de extração com plásticos, lixo, latas, máquinas, gasolina e derramamentos de óleo. Eles abandonam as correntes usadas de suas motosserras. Comem as tartarugas e espantam os papagaios, tucanos e outros pássaros que se alimentam das flores de pau-de-balsa. A degradação dos ecossistemas pelo desmatamento ilegal tem profundas repercussões na biodiversidade e no equilíbrio da flora e fauna locais, que nunca serão totalmente recuperados.

Dados os devastadores impactos sociais e ecológicos do uso do pau-de-balsa para energia eólica, a indústria global de turbinas precisa urgentemente implementar medidas rígidas para rastrear a origem da madeira que utiliza. Um mecanismo de rastreamento acabaria com a dependência em grande escala deste recurso natural e evitaria que a pressão do mercado leve ao desmatamento não planejado e ilegal.

O aumento dos preços que se seguiu à escassez de oferta criou um poderoso incentivo para acelerar esse processo. De acordo com a revista The Economist, o preço da madeira do pau-de-balsa dobrou de meados de 2019 a meados de 2020. Em 2019, o Equador exportou US$ 219 milhões em madeira balsa, 30% a mais do que o recorde anterior de 2015. Nos primeiros 11 meses de 2020, o país exportou US$ 784 milhões.

De fato, materiais alternativos são incorporados à fase inicial de produção das lâminas desde pelo menos 2014 e entraram totalmente na produção depois de surgirem problemas significativos de abastecimento em 2020, incluindo materiais como politereftalato de etileno (PET), uma espuma de baixa densidade gerada a partir de garrafas plásticas. A consultoria Wood Mackenzie previu que o uso de PET "aumentará de 20%, em 2018, para mais de 55% em 2023, enquanto a demanda por madeira balsa permanecerá estável".

Alguns dos maiores produtores de turbinas eólicas já estão abandonando o uso da madeira do pau-de-balsa. A Vestas, líder mundial no setor, disse ao democraciaAbierta que "reduziu significativamente" o uso da madeira, optando por usar materiais alternativos. A empresa dinamarquesa disse que apenas dois de seus modelos de turbina ainda têm pás que contém madeira balsa. Nos dois modelos que ainda usam, a madeira “representa apenas 150 km por pá”.

Um problema adicional para as pás é sua reciclabilidade. A primeira geração de turbinas eólicas começa a chegar ao fim de sua vida útil, o que significa que até 2023 cerca de 14 mil pás terão sido desmontadas na Europa, segundo Ramón González-Drigo, professor de resistência de materiais e engenharia estrutural da Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha. “Atualmente, entre 85% e 90% da massa total das turbinas eólicas pode ser reciclada”, González-Drigo disse ao democraciaAbierta. “Mas as pás representam um desafio devido a seus materiais compostos e cuja reciclagem exige processos muito específicos."

Pressão sobre as populações rurais

O impacto socioambiental dos parques eólicos não se reduz apenas à questão do desmatamento da Amazônia. Muitas das regiões da Europa que abrigam esses parques eólicos estão enfrentando sérias interrupções socioeconômicas e ambientais causadas por turbinas cada vez maiores.

Os parques eólicos requerem condições de vento constantes em territórios relativamente despovoados, onde a oposição das populações locais é fraca. É o caso da região de Matarraña, na província espanhola de Teruel, onde vários projetos de parques eólicos já se encontram em fase final e devem ser instalados em breve.

Os moradores da região se sentem impotentes para impedir a chegada desses investimentos milionários que causam impactos desastrosos na fauna, flora, paisagem e coesão social. “Aqui debatemos entre a necessidade das energias renováveis, onde os parques eólicos têm um papel claro, e a necessidade de preservar o território, a paisagem. Os dois são incompatíveis”, afirma Eduard Susanna, empresário do turismo rural e produtor de azeite de oliva em Calaceite, em Matarraña.

A energia eólica contribuiu com 21,9% da eletricidade consumida na Espanha no ano passado. A pressão para aumentar sua presença na matriz energética é alimentada pelo empenho na descarbonização e pelo o aumento dos preços da energia, que atingiram níveis nunca antes vistos na Europa.

Essa pressão é sentida pelas comunidades espanholas próximas aos parques eólicos, que percebem as empresas eólicas "como uma agressão muito forte", segundo Esperanza Miravete, professora de geografia e história de Valjunquera, município de 338 habitantes na região de Matarraña. "As mesmas agressões estão ocorrendo nas [regiões rurais menos povoadas da] 'Espanha vazia'", disse Miravete. “Não existe uma figura para proteger a paisagem, não existe parque natural ou qualquer coisa que possa impedir um estabelecimento industrial por aqui.”

A energia eólica já se tornou um aspecto fundamental da estratégia global e deve continuar a se expandir nos próximos anos. Mas esse boom tem suas desvantagens. A pressão do desmatamento do pau-de-balsa tem sido brutal para os povos indígenas amazônicos do Equador, enquanto a pressão sobre regiões da Europa para hospedar novos parques eólicos traz conflitos.

Isso criou um paradoxo verde. Precisamos descarbonizar a economia mundial o mais rápido possível, e a energia eólica é uma parte central dessa equação. No entanto, essa forma de energia renovável não será ética ou sustentável enquanto não garantirmos que seus componentes não causem maiores danos ao planeta e seus habitantes.

Este artigo foi financiados pelo Fundo de Jornalismo da Floresta Amazônicado Pulitzer Center. Uma versão foi publicada pelo El País.

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